A medida que a cidade cresce o ser humano parece tomar o caminho reverso, ele diminui mesmo frente à todas as promessas dos avanços tecnológicos de nos manterem sempre conectados, numa vã alusão de proximidade que não existe. Integrando a cidade de Buenos Aires como personagem (principal?), o filme argentino “Medianeras” – que ganhou por aqui o sugestivo subtítulo “Buenos Aires na Era do Amor Digital” – conversa sobre nossa eterna busca pelo amor, que pode se “atualizar” na era da internet e do ‘online’, mas no fim das contas não deixa de, em sua essência, ser a mesma coisa, estamos sempre em busca daquilo que nos faz falta, por mais que não tenhamos ideia do que (ou quem) seja.
Na trama conhecemos a história de duas pessoas desajustadas socialmente e cheia de fobias que não sabem (apesar de serem ‘vizinhos’) mas são feitos um para o outro, duas almas gêmeas que precisam se encontrar. Martín (Javier Drollas) é um designer cheio de fobias, movido à medicações e encontros fulgazes com algumas garotas (mais loucas que ele) e Mariana (Pilar López de Ayala) é uma arquiteta frustrada que ganha a vida como vitrinista de lojas e nunca sabe como lidar com os homens que se interessam por ela.
Traçando paralelos com o crescimento urbano desenfreado da capital argentina – que facilmente podemos identificar com quaisquer grandes metrópoles urbanas do mundo – o filme começa contextualizando muito bem Buenos Aires como parte da história, e é neste ponto que interessantes questionamentos são deixados para o espectador. Existem inspirações claras com elementos utilizados por Woody Allen em seus trabalhos que são incluídos de forma bastante inteligente por Gustavo Taretto (diretor e roteirista) que inclusive deixa uma citação direta em determinada cena. Algumas outras inspirações podem ser encontradas e além disto o filme consegue contextualizar muito bem a tal “era virtual” que vivemos, onde estamos todos conectados por fios ou antenas, todos juntos de forma isolada em suas ‘caixas de sapatos’, um verdadeiro enclausuramento coletivo.
Me senti bastante identificado com o personagem masculino, Martin é um nerd e o filme traz diversas referências da cultura pop que vão desde bonecos de Star Wars, Astroboy até os games e a vida online. Sem contar com as interessantes passagens envolvendo Wally, sim, aquele sacaninha de roupas listradas em vermelho e branco que precisa a todo instante ser encontrado, e é justamente aí que entra a personagem feminina Mariana que possui um destes livros com diversos desafios para encontrar Wally onde ela já achou em todos, menos um, que mais parece não estar lá. Conectando os dois, temos as fobias, a falta de tato social, os desencontros românticos e, por último, os chats na internet.
Mais uma vez o cinema argentino comprova que consegue transpor de forma muito tranquila as barreiras dos gêneros cinematográficos, vamos de drama a romance passando por comédia sem, em nenhum momento, cairmos nos clichês das pieguices dos produtos enlatados hollywoodianos. O desfecho pode soar um pouco poético, mas faz jus a tudo que foi construído durante a história – inclusive você descobre depois o que são as tais medianeras do título – mas ainda assim saí da sala de cinema extremamente satisfeito com o que assisti.
Narrado pelos personagens e inserindo a história num contexto tão atual, “Medianeras” pode ter seus defeitos e não ser uma obra prima, mas para mim cinema é emoção, e toda a identificação que tive com o filme me deixou com a certeza que este foi um dos melhores que vi no ano (em minha opinião que não vale nada mas, infelizmente, só tenho ela pra dar).
Estamos cada vez mais conectados ao mundo virtual, por vezes parece que estamos sendo escravizados por uma cultura que cada vez mais nos afasta do verdadeiro convívio com as pessoas, com a falsa bandeira de que querem nos manter mais próximos, mais unidos e mais integrados. Independente de em qual grau cada um de nós esteja, buscamos (seja onde for) tudo aquilo que nos faz falta, e quando encontramos parece fazer valer todo o tempo em que nos sentimos tristes e sozinhos, algo que centenas de seguidores no twitter ou ‘amigos’ no facebook não poderá nunca fazer.
Medianeras – Buenos Aires na Era do Amor Digital (Medianeras, 2011)
Drama, Comédia Romântica.Um filme de Gustavo Taretto com Javier Drollas e Pilar López de Ayala
Fantástico! Está entre os melhores do ano, com certeza.
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Está na minha lista de melhores do ano. Um belo filme, com um roteiro gostoso de acompanhar e bem sintonizado com nosso mundo moderno.
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Minha lista já está pronta e este tem o seu lugar cativo, tava só esperando terminar a crítica. Antes de 2012 mando o top 10 melhores e piores aqui!
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O título, o subtitulo e o poster não me atraem nenhum pouco,
mas depois dessa crítica, o filme já foi pra minha lista!
correção no texto:
Comprava = Comprova
;D
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Valeu pela correção Bruno, abraço 🙂
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Assisti no cinema, gostei, mas não acho que é o caso de nota máxima. É um bom filme, que aborda de forma inteligente um tema atual, mas o ritmo do filme é um pouco lento, ele é bem legal mas não chega a empolgar. Dentre os argentinos que vi essa ano gostei mais do Um conto chinês.
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Me identifiquei muito com o filme, achei que ele contextualizou muito bem a “era virtual” e de fato, se fosse de 0 a 10 daria um 9, a classificação aqui acabei aproximando para cima mesmo, mas, ainda assim, para mim é um dos melhores do ano.
Um Conto Chinês ainda tenho que assistir e em breve comentarei aqui.
[]´s
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Perdi o filme nos cinemas, procurei no Cine Torrent, mas ainda não lançaram. Sobre o tema, é realmente impressionante essa era digital (frase de quem está ficando velho), esses dias encontrei um “amigo” de Facebook e o cara nem me cumprimentou.
No aguardo da lista dos 10 melhores de 2011.
Abraço e feliz 2012.
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Você me deixou bem curioso pra ver esse filme, tá passando por aqui, vou ver se assisto.
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Cinco controles? Subiu na lista de prioridades. Sorte que eu li aqui.
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Eu odeio quando alguem critica a sociedade e nem mesmo conheçe todas as façetas dela como seu eu fosse criticar os americanos chamando eles de consumistas se nem mesmo moro lá ou conheço sua cultura.
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E eu odeio quando alguém comenta aqui e nem sabe escrever: “façetas”, “conheçe”.
E pela sua visão e opinião de mundo eu nunca poderia criticar nada, afinal, só conheço o meu pequeno mundo. Então nos limitemos todos a falar da nossa casa e do prato que comemos.
Se fosse assim que conhecimento de mim você teria para me julgar já que não me conhece?
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A voçe é muito pessimista só vê o lado ruim como se o ser humano fosse mutio legal antigamente imagina se um negro seria presidente ou um casal homossexual poderia se casar há mais deixa pra la a sociedade e ruim mesmo e duro falar com quem tem visão limitada.
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“Voçe” que está dizendo isso, que sou pessimista em sua visão limitada por apenas um texto sobre um filme, este que fala exatamente isto mas mostra que, no final, a gente pode encontrar o amor e o carinho até mesmo nesse “falso” mundo virtual. Essas suas colocações em relação a um presidente negro ou até mesmo ao casamento homossexual, sinceramente, não vejo nenhuma ligação com o que escrevi.
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Será mesmo que o mundo inteiro é igual? Eu discordo. Não me entra na cabeça que um mundo tão grande (em todos os aspectos) possa ser tão pequeno no que diz respeito a diversidade intelectual.
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O novo muitas vezes é visto como ruim ou degradante e torna-se alvo de críticas que são embasadas na “perda de valores”; é muito comum nós observarmos pessoas afirmando que os valores foram modificados ou perdidos. Geralmente essas críticas são consequencia de uma visão limitada ou fruto de uma realidade distorcida por quem critica o novo. É importante sabermos que mudanças sempre ocorrem porém em diferentes graus e nossa visão de mundo enquanto crianças ou jovens tende a ser melhor do que a visão que temos quando há consciência do que acontece, por diferentes motivos.
A memória que guardamos da infância é distorcida: podemos enfatizar os melhores momentos e ignorar os ruins – assim como podemos fazer o oposto. E também não temos conhecimento de tudo o que acontece em nossa volta, assim ficamos limitados a situações e ambientes especificos, que nos dão a ideia de que em 1992 as pessoas eram mais generosas do que em 2010. O conhecimento de mundo e pessoas que temos é muito pequeno. Conhecemos nossa família, colegas de escola e não mais que isso. Então, quando crescemos e levamos a primeira rasteira dizemos que o humano perdeu o seu valor, sua essência.
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Achar que a vida “de plástico” e fantasiosa que muitas pessoas vivem hoje nas redes sociais e na internet é tão rica quando a de algum tempo atrás eu acho um pouco de exagero.
A questão não é o medo do novo e toda essas limitações que citou, é muito mais amplo que isto. O “novo” não é de todo degradante, mas o ser humano tem diminuído na medida que a tecnologia (esta que nos promete ficar tão próximos) nos afasta mais do que aproxima. Essa aproximação que achamos ter hoje é bastante vazia, mas essa é a minha opinião.
Até mesmo a morte é banalizada nas redes sociais, alguém comenta “meu pai morreu, que saudades, luto”. E as pessoas seguem abaixo botando smiles “:(” ou até mesmo clicando em curtir.
É essa a minha visão de mundo (limitada ou não) e foi isso que entendi do filme, que foi a proposta desta pequena resenha.
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Na adolescência nos achamos experientes o suficiente para nos considerarmos adultos. E é nessa fase que começamos a conhecer os diferentes tipos de pessoas que existem. Muitas vezes nos unimos a um grupo de pessoas que pensa de forma semelhante e embasados nisso começamos a ver o resto das pessoas como diferentes, erradas e todas as outras qualificações possíveis, porém sempre ruins. E mais uma vez, baseados nisso, nós afirmamos que o “novo” modelo de adolescente é futil ou degradou-se. Por estes motivos, e certamente outros mais, tantos adultos exclamam por aí que no tempo deles as coisas eram melhores e os valores eram mais conservadores.
Talvez o medo do novo que até então é uma incógnita, traga essa insegurança, essa visão crítica de degradação da humanidade, a vontade de reavivar algo vivido por nós anteriormente, um período seguro, confortável. Humanos são mutáveis e adaptáveis e fazer comparações entre 1.500 e 2020 não justifica o desejo de preservar comportamentos especificos, até porque, isso soa tanto como intolerância, como limitador.
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O que é a perda de valores para você? Para mim nada mais é do que uma mudança natural do comportamento humano que nós mesmos buscamos e proporcionamos aos mais novos – a imagem exemplifica muito bem isso. O que antecede o novo e será criticado (por nós mesmos) somos nós lutando pela mudança de algo. Quantos acontecimentos já foram criticados porém antes do surgimento, pessoas lutaram para possibilitá-lo? Os pais, que são as pessoas mais velhas, dão ao filho uma criação distinta da qual tiveram, e na adolescência se espantam com o resultado. Eu digo que o adolescente é o resultado exagerado do que foi conquistado pelos mais velhos pois são sempre eles quem chamam a atenção e que causam algum tipo de reação, às vezes espantosa. Nós criticamos nós mesmos pois nós reclamamos do jovem que é o resultado do ambiente que proporcionamos a ele. O ambiente muda, o comportamento muda junto, as pessoas tornam-se mais tolerantes ao que os mais velhos repudiavam, porém isso tudo ocorre de forma muito sútil e só percebemos quando algo especifico ganha destaque, aí exclamam desesperados que o mundo não é mais o mesmo, que as pessoas perderam seus valores e caráter.
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até que ponto o homem acelerou um acontecimento natural? A mesma questão vale para os valores: os valores foram perdidos, degradados? Mas até que ponto a responsabilidade é do humano? Não poderia ser algo natural? Já que nunca conhecemos outros seres humanos além de nós, não podemos fazer comparações.
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Segui tua dica e vi Medianeras… belo filme. E este é um dos melhores textos que eu li aqui no Porra, man!
Parabéns!!
PS: vou tecer alguns comentários sobre ele também, me envolvi bastante.
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É, uma vez ao ano eu consigo um escrever um texto bom hehehee
Valeu!
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