
O baiano de Itabuna Jorge Amado foi um dos escritores mais importantes do Brasil. E um dos mais lidos também. Famoso por obras regionalistas como Gabriela, Cravo e Canela, Dona Flor e Seus Dois Maridos, foi em livros como Capitães da Areia que ele mostrou o seu lado político e engajado.
Representante da segunda fase do modernismo no Brasil, Capitães da Areia é ao mesmo tempo tocante e difícil. A dificuldade do livro não está na escrita de Jorge Amado, que é extremamente acessível com direito a reprodução por vezes fiel da voz dos personagens. Trata-se de uma experiência dolorosa por retratar crianças abandonadas tentando sobreviver em uma sociedade que pouco se importa com elas.
Os capitães da areia são um grupo de crianças que moram em um trapiche abandonado em Salvador. Para conseguirem ganhar um dinheirinho e colocar comida em seus estômagos, o que sobra para eles é roubar e cometer outros atos ilícitos.
Estão presentes aqui vários personagens, a maioria com características um pouco mais superficiais, mas com desenvolvimento suficiente para que nos importemos com eles. Há um briguento que tem Lampião como ídolo maior, um religioso, um leitor voraz e um rapaz negro que tem o maior coração do mundo. E claro, temos o líder Pedro Bala, o complexo Sem-Pernas e a personagem feminina forte chamada Dora.
As injustiças sociais estão em cada linha de Capitães da Areia. Jorge Amado coloca o dedo na ferida sem dó. Vários capítulos do livro refletem o descaso da maioria em relação as crianças abandonadas. O governo quer escondê-los, o reformatório só os piora e as pessoas como um todo preferem fazer vistas grossas.
Sequências fortes podem causar grande incômodo. Há inclusive uma cena em que ocorre um estupro. Pensem em uma coisa perturbadora de se ler. Tal passagem costuma ser muito criticada até nos dias de hoje.
Apesar de toda a carga dramática e a crítica social, há espaço para momentos do mais puro lirismo como a sequência do carrossel. Ali percebemos que apesar de precisarem agir como homens crescidos, eles são apenas crianças que buscam algum tipo de conforto.
Quando escreveu o livro, Jorge Amado era um ferrenho defensor do comunismo, algo que pode ser visto facilmente nas últimas páginas. Não há como negar o teor panfletário do final, mas nada que atrapalhe a experiência como um todo. Bom, quem ficou bem incomodado com isso foi o Estado Novo (1937-1945), que foi responsável por queimar centenas de exemplares da obra.
Nada mais ignorante do que queimar livros.
Mas o fato é que Capitães da Areia sobreviveu e ecoa ainda nos dias de hoje. Ainda bem.