Destaque na 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, “Berlin Alexanderplatz” é o mais recente trabalho do cineasta alemão Burhan Qurbani. Estreando nos cinemas brasileiros em fevereiro de 2021, trata-se de uma versão contemporânea de uma obra clássica e homônina escrita em 1929. Um filme que conversa sobre questões que ainda são muito pertinentes nos tempos atuais e com “atualizações” muito acertadas.
Na trama conhecemos um refugiado chamado Francis (Welket Bungué) que, após sobreviver à sua fuga da África Ocidental, acorda em uma praia no sul da Europa. Prometendo que, dessa vez, viverá uma vida ‘normal’ sendo um ‘homem bom’, ele acaba enfrentando problemas quando chega em Berlim. Apátrido e sem permissão para trabalhar legalmente, ele tenta resistir a algumas ofertas de trabalhos ilegais, mas a vida acaba o jogando para um mundo que ele queria esquecer.

Não é preciso conhecer o livro no qual o filme se inspira, nem tampouco a minissérie lançada em 1980, mas é interessante notar que algumas mudanças em relações a história original são sutis e bem vindas. Ao contrário de um homem recém saído da prisão, aqui temos uma questão bem contemporânea a ser discutida, o problema dos refugiados. Somando-se a isso, temos no protragonista um homem negro que tenta ser bom, mas o mundo que ele encontra não é o que ele merecia e essa é uma das principais discussões que serão debatidas ao longo do filme.
Além de atuações muito cativantes, em especial a do protagonista interpretado por Welket Bungué, temos um trabalho primoroso na direção de arte que apresenta uma Berlim fria e nada acolhedora. Em determinado momento Francis diz: “…parece que nunca faz sol por aqui“. São essas pequenas nunces e, claro, alguns personagens muito bem encaixados e com arcos razoavelmente bem definidos, que fazem de “Berlin Alexanderplatz” um ótimo filme.
Divido em cinco partes (e mais um epílogo), o filme no entanto tem uma longuíssima duração de 3 horas. Portanto, é preciso estar preparado para enfrentar uma verdadeira maratona de acontecimentos. Talvez se fosse uma minissérie, como a adaptação de 1980 dirigida por Rainer Werner Fassbinder, a experiência seria menos cansativa e daria para aproveitar mais cada uma das nuances que a obra apresenta. Isso não chega a atrapalhar, é apenas um ponto que pode afastar aqueles que evitam, nos tempos atuais, se aventurar em jornadas tão longas.

Outra questão que é importante, mas me incomodou, é a forma como a discussão em relação ao preconceito racial é posta na trama. São muitas palavras pesadas ditas e gritadas por alguns personagens que, ainda que seja uma obra de ficção e proposiltalmente colocadas para gerar conflitos, é impossível não se chocar ao presenciá-las no filme. O importante, no entanto, vale notar, é que o protagonista combate a todos os preconceitos que são dirigidos a ele. Pelo menos os que ele enxerga primeiramente, alguns passam desapercebidos e é aí que está uma das principais jornadas de aprendizado que ele vai escalar até o fim da história.
Os elogios que tem recebido nos festivais em que foi exibido não são à toa, “Berlin Alexanderplatz” é mesmo uma obra que merece ser assistida. Um filme que conversa sobre como a sociedade recebe os “forasteiros” e como eles acabam se sujeitando aos perigos do desejo e caindo em farsas que são armadas com ilusões e promessas vazias. Existe um subtexto no filme sobre como o homem negro precisa se “adequar” ao gosto do homem branco para ser respeitado como um igual, e talvez esse seja o grande trunfo dessa adaptação. Discutir um tema que ainda continua, infelizmente, tão atual em uma escalada de aprendizado bem construída ao longo de todo a história.

BERLIN ALEXANDERPLATZ
Alemanha – Holanda | 2020 | 183 min. | Drama | 16 anos
Direção: Burhan Qurbani
Roteiro: Burhan Qurbani e Martin Behnke baseando-se no livro de Alfred Döblin.
Elenco: Welket Bungué, Jella Haase, Albrecht Schuch, Joachim Król, Annabelle Mandeng, Nils Verkooijen, Richard Fouofié Djimeli, Thelma Buabeng, Faris Saleh, Michael Davies
Distribuição: A2 Filmes